Definição

Texto por Katya Stübing

“Num mundo dedicado à distração, o silêncio e a quietude nos aterrorizam.”
(Sogyal Rinpoche, 1987)

Já faz algum tempo a meditação tem sido conceituada como um treinamento mental que tem como objetivo acalmar a mente, aumentando a capacidade de concentração e atenção de forma voluntária, focada e relaxada1.

Os efeitos do estresse no corpo
Práticas meditativas ativam a resposta de relaxamento, causando alterações fisiológicas que combatem a conhecida resposta ao estresse, e por isso são tão benéficas.

As práticas meditativas podem ser encontradas em diferentes tradições religiosas e assumem diversas formas.2 Em especial, tradições orientais, como o Hinduísmo e o Budismo, desenvolveram uma vasta metodologia para alcançarmos estados meditativos avançados. O próprio Buda deixou escritas orientações específicas para se alcançar a libertação da constante insatisfação na qual vivemos, atingindo, assim, um bem estar mais duradouro.3

Toda prática meditativa precisa de uma técnica específica. Para fins assistenciais e de pesquisa, o médico e pesquisador Roberto Cardoso e alguns colegas da Unifesp escreveram, em 2004, um artigo em que definem os critérios necessários para uma prática ser caracterizada como meditação.4 Os critérios citados no artigo são:

  1. A apresentação de uma técnica específica: esclarecer os procedimentos ao participante e não apenas colocá-lo sentado e pedir que “comece a meditar”;
  2. A habilidade de criar uma “âncora” de atenção: ao longo da prática, o indivíduo que medita adquire a capacidade de focar sua atenção num objeto específico, seja ele a própria respiração, uma parede, um som ou outro objeto qualquer.
  3. O relaxamento muscular: acontece em algum momento da prática e pode facilmente ser medido;
  4. O relaxamento lógico: um relaxamento mental em que não se criam expectativas, não se tenta analisar nem julgar o que acontece;
  5. O estado autoinduzido: apesar de ser orientado por um instrutor, o próprio praticante tem uma atitude ativa no alcance do estado meditativo e a prova disso se dá na capacidade de reproduzir a prática sozinho;

A meditação conhecida como mindfulness (atenção plena) engloba variadas técnicas de meditação onde treinamos a atenção, ganhando mais foco e concentração. E também treinamos uma atitude mais empática e sem julgamentos, aprendendo a sair do piloto automático.

É preciso salientar que mindfulness é uma habilidade humana, que envolve “prestar atenção” com uma “atitude específica”. Cultivar essa habilidade de atenção empática faz parte do treinamento de diversas tradições de meditação. Durante a fase inicial para tranquilizar a mente (shamatha), cultivamos mindfulness – desenvolvemos uma mente mais tranquila através do treino da atenção e foco. Na fase seguinte, de buscar insights (vipashyana), utilizamos a habilidade de mindfulness para integrar várias percepções com a intenção de ganhar mais clareza e entendimento sobre um tema.

O Sattipatthana Sutta é o texto mais antigo sobre a prática de mindfulness e faz parte da literatura sagrada da tradição budista Theravada. Podemos encontrar inúmeras traduções do texto original em Pali, com subsequentes comentários e explicações. A tradução mais citada é a de Soma Thera (1998).5 Satti é a palavra que costuma ser traduzida como mindfulness em inglês; em português usamos atenção plena. Em seu conceito original, satti é a habilidade que o indivíduo tem de prestar atenção em tudo o que se passa no momento presente, tanto no corpo, na mente, nas emoções e no ambiente, com uma atitude cuidadosa, sem esquecimento e sem distração. Contudo, para alcançarmos este grau de atenção, é preciso treino, daí a importância de todas as recomendações e passos para cultivarmos satti – mindfulness ou atenção plena.

Encontram-se no Sattipatthana Sutta diretrizes sobre os quatro passos ou formas de praticar mindfulness, ou ainda “as quatro aplicações de mindfulness”, explicadas em maior detalhe por Alan Wallace (2011)6 e Daniel Goleman (2012)7. De forma resumida, a recomendação didática é que devemos cultivar a habilidade de mindfulness com a seguinte ordem de objetos de prática:

  1. corpo e respiração
  2. emoções
  3. mente
  4. fenômenos da mente (consciência)

Existem ainda programas baseados em mindfulness – como o MBSR, o MBCT ou o T8SM – que utilizam tanto práticas meditativas quanto exercícios variados com a intenção de desenvolver a atenção e uma forma de ser mais equilibrada e tranquila – são considerados abordagens terapêuticas. Esses programas tem sido cada vez mais usados em diferentes contextos modernos, como ambientes corporativos, escolas e hospitais, devido a seus benefícios amplamente apoiados por pesquisas.

Ao buscar em publicações “o que é mindfulness?”, vemos que a definição do conceito tem sido alvo de diversas publicações, e alguns autores acabam se afastando muito do conceito milenar de satti. Recuperando a definição acadêmica mais reconhecida de Jon Kabat-Zinn (1995), entendemos que “mindfulness é a habilidade de prestar atenção intencionalmente e sem julgamentos, a experiência do momento presente, e sustentar esta atenção ao longo do tempo”.8

O conceito contemporâneo de mindfulness continuou a evoluir conforme as pesquisas avançaram. Em 2004, um grupo de psicólogos liderados por Scott Bishop concluiu que a prática da atenção plena traz benefícios mensuráveis pois se apoia em dois pilares: 1) o treino voluntário da atenção, e 2) o cultivo também voluntário de uma atitude menos julgadora e mais gentil.9 Shauna Shapiro, outra pesquisadora de mindfulness, publicou com colegas, em 2006, uma definição que traz ainda um terceiro pilar: o da intenção de prestar atenção.10

Esses três elementos básicos interagem entre si de forma muito dinâmica, e podemos observar que um reforça o outro. Essa definição mais ampla de mindfulness realmente tem nos ajudado a entender melhor o que o treinamento faz para trazer todos os benefícios que vemos apresentados nas pesquisas.

Referências:

1. Rubia, K. (2009). The Neurobiology of Meditation and its clinical effectiveness in psychiatric disorders. Biological Psychology, 82: 1-11. Science Direct
Fortney L, Taylor M. (2010). Meditation in Medical Practice: a review of the evidence and practice. Primary Care Clin Office Pract, No 37: 81-89. Science Direct

2. Arias AJ, Steinberg K, Banga A, Trestman RL. (2006) Systematic review of the efficacy of meditation techniques as treatments for medical illness. J Altern Complement Med. 12(8):817–32. Research Gate

3. Wallace BA. (2006) A Revolução da atenção: revelando o poder da mente focada. Editora: Vozes, RJ. Saraiva

4. Cardoso R, de Souza E, Camano L, Leite JR. (2004) Meditation in Health: an operational definition. Brain Res Protoc. 14:58-60. Google

5. Thera S. (1998) The Way of Mindfulness: The Sattipatthana Sutta and its commentary [on-line]. AccessToInsight

6. Wallace BA. (2011) Minding closely: the four applications of mindfulness [Kindle edition]. Editora: Snow Lion Publication, New York. Amazon

7. Goleman D. (1996) The meditative mind: the varieties of meditative experience [Kindle version, 2012]. Editora: More than Sound Books, Massachussets. (Existe versão em português: Saraiva.)

8. Kabat-Zinn, J. (1995). Three-Year follow-up… Journal of General Hospital Psychiatry, 17: 192-200.

9. Bishop RS, Lau M, Shapiro S, Carlson L, Anderson ND, Carmody J, Segal ZV, Abbey S, Speca M, Velting D, Devins G. (2004) Mindfulness: a proposed operational definition. J Clin Psychol Sci Pract.11(3):230-41. Amazon

10. Shapiro S, Carlson LE, Astin JA, Freedman B. (2006) Mechanisms of mindfulness. J Clin Psychol. 62(3):373-86. Google